Psicanálise e Psicanalistas
- Mateus Gaiotto
- Feb 20, 2024
- 3 min read
A qual escola psicanalítica eu sigo/pertenço?
Escrevo esse texto tendo em mente um livro bastante importante para aqueles que estudam história que é o "História e Historiadores" da Ângela de Castro Gomes.
Entre diversas questões que a historiadora apresenta no livro, a ideia de que os historiadores fazem parte da história e, dessa forma, fazem parte daquilo que estudam e estão inseridos no seu tempo, com suas próprias questões, morais, costumes, preferências, preconceitos etc., e essas questões invariavelmente perpassam suas obras e produções acadêmicas.
É impossível sermos neutros frente a tudo aquilo a que somos apresentados durante nossas vidas. A neutralidade diante do que estudamos/praticamos/ensinamos é uma ilusão.
Isso tem eco na psicanálise contemporânea, que também está cada vez mais consciente dessa dinâmica.
Embora muitos psicanalistas ainda estejam ligados às escolas tradicionais e seus mestres venerados, é fundamental reconhecer a diversidade de vozes e abordagens dentro da disciplina. Passou-se o tempo das escolas, apesar de vários psicanalistas ainda estarem inseridos nelas.
Assim como grandes nomes da psicanálise, temos grandes historiadores! A própria Ângela foi uma dessas figuras em que procurei me espelhar, mas não foi a única.
São tantos e tão diversos os autores em qualquer disciplina que nos empobrecemos ao achar que um, ou um pequeno grupo deles será o bastante para nos tornar grandes profissionais naquilo que nos propomos a fazer.
Zimerman aponta isso em seu livro de 2004: “a essência da sabedoria da psicanálise não está neste ou naquele autor; está entre eles” (p.31)
Na epígrafe do livro "Vozes da psicanálise", livro que também inspirou a escrita desse texto e que tem a pretensão de advogar a favor dessa multiplicidade de ideias, vemos inscritos um trecho de Philip Cushman (1945-2022):
"Mas lembremos também que a vide é apenas uma ponte – e ainda por cima estreita. Ela é instável e quando há uma tempestade ela oscila muito. Em momentos difíceis nós queremos que ela seja mais do que uma ponte; tentaremos fingir que ela é chão firme. Poderemos até, para amenizar nossos temores, tentar construir uma habitação permanente sobre ela...
Nenhuma teoria, não importa quão elaborada, atraente, complexa ou brilhante possa parecer, não importa quão bem ancorada no passado e no futuro ela esteja, será capaz, em última instância, de transformar a ponte em chão firme. Nenhuma teoria pode ser uma habitação permanente..."
Como o próprio organizador do livro (David B. Florsheim) aponta na introdução, é comum as pessoas confundirem "pluralismo" de ideias com "ecletismo".
O pluralismo e o ecletismo são abordagens distintas para lidar com a diversidade de ideias, perspectivas e teorias. Embora ambos reconheçam a existência de múltiplas visões, suas atitudes em relação a essa diversidade são bastante diferentes.
Pluralismo:
O pluralismo valoriza e celebra a diversidade de ideias, reconhecendo que diferentes abordagens podem oferecer insights valiosos sobre um determinado assunto;
No pluralismo, as diferentes perspectivas são consideradas complementares, contribuindo para uma compreensão mais completa e rica do tema em questão;
Os pluralistas geralmente buscam entender e respeitar as diferenças entre as diversas abordagens, reconhecendo que cada uma pode ter seu próprio conjunto de méritos e limitações;
Em resumo, o pluralismo promove a coexistência harmoniosa de diferentes visões, incentivando o diálogo e a troca de ideias entre elas.
Ecletismo:
O ecletismo, por outro lado, envolve a seleção e combinação de elementos de diferentes teorias ou abordagens de forma arbitrária ou superficial;
Muitas vezes não reconhece ou considera as diferenças fundamentais entre as várias perspectivas que estão sendo combinadas;
Em vez de buscar uma compreensão integrada ou sinérgica, o ecletismo tende a criar uma mistura superficial ou superficial de ideias, sem uma base sólida ou coerente;
O ecletismo pode resultar em uma abordagem fragmentada ou inconsistente, que não aproveita plenamente o potencial das diferentes teorias ou perspectivas disponíveis.
Em suma, enquanto o pluralismo promove a coexistência respeitosa e a troca enriquecedora entre diferentes visões, o ecletismo tende a simplificar excessivamente ou reduzir a diversidade, resultando em uma abordagem menos robusta e fundamentada.
Dessa forma, não me vejo ligado à uma escola ou outra de psicanálise, mas a um movimento contemporâneo psicanalítico no qual vemos a necessidade de adaptar teorias, conceitos e atitudes ao nosso momento, ao sofrimento contemporâneo e ao que gera um bem estar as pessoas do nosso século.
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