Por que a psicanálise?
- Mateus Gaiotto
- Jan 30, 2024
- 3 min read
Recentemente, publiquei um reel abordando brevemente minha relação com a psicanálise. Ao refletir sobre o assunto, percebo que posso dividi-lo em duas partes, embora ambas resultem em quase a mesma resposta.
1) Do ponto de vista de um paciente em processo de análise, a psicanálise proporciona, através da proposição à associação livre, uma liberdade de expressão e pensamento que me cativaram profundamente. Partindo do meu conhecimento restrito das tantas outras abordagens clínicas, imagino que nenhuma outra dê tamanha importância a esse espaço. Ao longo da vida, consultei-me com psicólogos de outras abordagens, mas foi na psicanálise que verdadeiramente me senti encorajado a falar sobre mim de uma maneira que não havia experimentado anteriormente. De maneira similar, a psicanálise me convidou a olhar a mim mesmo por uma ótica diferente, instigando um olhar introspectivo que, embora desafiador, foi e continua sendo enriquecedor.
De maneira alguma eu subestimo o trabalho realizado pelas outras abordagens e psicólogos que consultei; pelo contrário, reconheço a dificuldade de lidar com adolescentes reticentes em compartilhar sobre si mesmos. Naquele momento, um psicanalista não teria feito mais do que esses profissionais fizeram por mim.
Foi o momento em que me encontrei com a psicanálise, e procurei destacar isso no vídeo, que me levou a aproveitar melhor o que uma terapia tinha a me oferecer.
Destaco a importância da minha própria vontade no processo, pois torna-se crucial para o sucesso da análise o envolvimento daquele que procura a ajuda, dada a sua complexidade e exigências.
É evidente que é um processo a dois, no qual a construção de uma relação de confiança com o profissional do outro lado é fundamental!
2) Quando considero a psicanálise como profissão e prática clínica, meu ponto de vista se assemelha ao abordado no contexto do paciente. Conforme Lacan apontou, o final de toda análise produz um analista, quer a pessoa vá praticá-la ou não.
Aprender os caminhos do inconsciente e utilizá-los para auxiliar os outros é algo apaixonante. A leitura dos textos foi crucial para minha própria compreensão. A construção do pensamento de Freud, apesar das controvérsias, é coerente e honesta.
Contrariamente ao que ele mesmo expressou em alguns momentos de sua produção, Freud não criou o inconsciente nem foi o único a abordá-lo na época, sendo um assunto que já transitava em diversos círculos e produções acadêmicas da época, mas sua forma de concebê-lo que tornaram suas contribuições únicas.
Lacan muitas vezes é considerado o próximo passo no estudo, na perspectiva do que podemos chamar de uma "psicanálise à brasileira". No entanto, foi através da leitura de Sándor Ferenczi e sua preocupação com o lado clínico e terapêutico que me inseriu ainda mais nos estudos daquilo que mais me dizia: o trauma.
O enfant terrible da psicanálise experimentou clinicamente a partir dos ensinamentos de Freud, não apenas para entender os processos psicológicos que afligem as pessoas, mas também para efetivamente ajudá-las a melhorar.
O trauma foi um de seus temas principais, e para mim, também é central ao pensar em minha própria saúde. Muitas situações que vivenciamos são sentidas como traumas, não apenas os grandes eventos, mas pequenos gestos e situações cotidianas que, no momento certo (ou errado), nos impactam profundamente, causando feridas duradouras.
A psicanálise, a partir de Ferenczi, passa a representar uma forma de elaboração desses traumas, levando em consideração a singularidade do indivíduo que está no divã. Embora parte da teoria pretenda falar do geral, ela serve como suporte para olharmos o singular, o único.
O sofrimento de um indivíduo, por mais ordinário que possa parecer - e muito disso devemos às formas com que o sofrimento tem sido tratado nos últimos tempos, dessensibilizando-nos frente à tantas catástrofes contemporâneas - é sempre real e incomensurável para aquele que o experimenta.
Como analistas e seres humanos, não somos capazes de sentir ou compreender a totalidade do sofrimento de cada indivíduo, mas nossa própria experiência nos permite entender o quão difícil é estar nesse lugar.
Dependemos que a pessoa que sofre compartilhe esse sofrimento específico conosco e nos ajude na busca da cura. Nós, analistas, somos passageiros nessa jornada, mas também agimos como copilotos em determinados momentos, apontando detalhes que podem ter escapado à percepção da pessoa que nos guia, pedindo para que vá mais devagar em certos trechos do percurso, para que possamos observar com calma, que volte em determinados destinos dessa viagem, e que aprenda a observar mais atentamente o caminho e possa nos levar pelos atalhos e percursos que só ela conhece.
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